Água em Ouro Preto: O passado e o presente

Ramon Cotta

A edição número 8 do LAMPIÃO abordou a gestão e a distribuição da água em Mariana e Ouro Preto. Construções abandonadas, desperdícios frequentes e denúncias administrativas foram alguns dos problemas identificados pelo nosso jornal. A situação presente não dialoga com o passado, em que a água significava ouro e não cabia desperdício. O Projeto “História do Controle e Uso da Água em Ouro Preto dos Séculos XVIII e XIX”, realizado pelo professor Alberto de Freitas Castro Fonseca, visou compreender como a água foi empregada e regulada durante o período colonial e imperial na cidade histórica de Ouro Preto. Através de artigos científicos, o Projeto gerou informações inéditas sobre o histórico sistema de água e esgotos da cidade que incentivou a prefeitura e o IPHAN a promoverem ações de tombamento e valorização de obras hidráulicas e sanitárias.

Ouro Preto, no século XVIII, em função dos seus variados mananciais de água, foi bastante singular em comparação as outras cidades no que se refere às condições do saneamento básico. Não foram necessárias grandes obras de captação de água e nem grandes esforços para o esgotamento sanitário. Algumas residenciais coloniais possuíam em seus próprios terrenos chafarizes. ’’Ao contrário dos chafarizes públicos, os chafarizes particulares foram pouco estudados, de maneira que não se sabe ao certo se eles eram freqüentes nas residências. É provável que eles tenham se multiplicado à medida que a mineração entrou em decadência, isto é, à medida que a população decaiu e aumentou a disponibilidade de água na sede urbana. Ainda hoje, observam-se, em diversas casas de Ouro Preto, esses chafarizes privados, ou, pelo menos, resquícios deles’’, cita o artigo Ouro Preto, Água Limpa: O Abastecimento Doméstico de Água no Epicentro do Ciclo do Ouro.

A cidade de Ouro Preto na época colonial não teve planejamento para o abastecimento de água com olhar no futuro. O sistema de abastecimento reagiu à demanda do Ciclo do Ouro, ou seja, o período da história do Brasil em que a extração do ouro dominava a dinâmica econômica da colônia. O artigo destaca que não se pode dizer que não havia a preocupação do poder público com o consumo da água da população, pois o consentimento de água a casas particulares dependia da quantidade solicitada pelo cidadão. Outra dificuldade que se impunha ao Senado da Câmara de Ouro Preto na época era a de conciliar os interesses dos mineradores com os interesses de abastecimento doméstico. A forte dependência que a mineração tinha da água provocou múltiplos tumultos de uso.

O artigo destaca também que apesar de todos os problemas, a água de Ouro Preto obteve fama no período imperial, sendo bastante elogiada em relação aos seus aspectos qualitativos e quantitativos. ’’Dentre as mais expressivas frases proferidas sobre a água da cidade nesta época, destaca-se a repetida pelo viajante Richard Burton (1977, p. 302) quando ali esteve em meados do século XIX: “(…) em Ouro Preto, só há duas coisas boas: a cadeia e a água”, trecho do artigo.

Após três séculos, a cidade ainda possui muito do antigo sistema de abastecimento de água. Com o crescimento populacional e alterações da utilização do solo, tais características têm se mostrado conflitantes com a atual legislação e com as demandas do público. O projeto detectou diversos problemas, entre eles, a inexistência de monitoramento sistemático e abrangente da qualidade da água fornecida à população, falta de medição de consumo de água, mau estado de conservação de alguns reservatórios e elevada taxa de consumo de água per capita, estimada por técnicos da prefeitura entre 450 e 500 litros por habitante ao dia.

O professor Alberto de Freitas Fonseca, autor do projeto, afirma que além do problema do abastecimento, os ouro-pretanos sofrem com o grau de incerteza da qualidade da água. ’’Falta investimento. A cidade já teve há mais de um século quase todo seu esgoto tratado e hoje tem quase todo seu esgoto não tratado’’, conta o professor.

Sobre a cobrança da água, Alberto diz que os políticos precisam entender mais sobre a tarifação da água e que esse debate ainda é muito amador na cidade. ’’O cidadão já paga pela água, mas vai pelo IPTU e outros impostos. O que tem que acontecer é uma tarifação mais direta e transparente. Qual é o custo de operar e manter o sistema de água e esgoto de água? É necessário criar um sistema para esse serviço e virar algo transparente, fala Alberto.

Alberto também critica os que dizem que criou uma cultura de não se pagar pela água em Ouro Preto, ele afirma que essa cultura não teve presente no século 18 e 19, e sim é algo presente do século 20. ’’Já teve cobrança de água no período do ciclo de ouro. Os problemas que temos de gestão e a distribuição da água são explicados mais pelo presente e pela a política ouro-pretana do que o passado’, finaliza.

Os artigos do projeto estão disponíveis gratuitamente nos seguintes links:

Artigo 1Artigo 2 e Artigo 3

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