“Se você não paga o produto, o produto vira você”

Daniela Maia, NINFEIAS Núcleo de INvestigações FEminIstAS

– Já começamos errado! Ao ser convidada para escrever esse artigo no Jornal Lampião sobre a diferença de preços entre homens e mulheres os argumentos que seguiam o convite colocavam em pauta além da diferença dos preços de serviços, outra questão: “mesmo os homens sendo lesados nessa situação, eles não reclamam”. Enfim, não poderia olhar o lado do patriarcado e defender porque os homens não reclamam se as atitudes dos mesmos só reforçam que nessa situação, a posição masculina consente com o abuso prévio para ambas as partes. Assim, respiro, olho para o céu e repito: Já começamos errados. Ainda dá tempo para reformular a pergunta? Seria mais convincente pensarmos o porquê dessa diferença de preços. Quem é a vítima nessa cultura.
Na região de Ouro Preto já é tradição mulheres pagarem menos na entrada das festas organizadas pelas republicas estudantis. Percebe-se uma diferença exorbitante dos ingressos, quando o valor varia entre R$10,00 e R$ 48,00, como é o caso do Rock de 1Real, organizado pela Republica Alforria, na qual mulheres são convidadas a servirem de prato principal por apenas um real. Nessa atmosfera, levanto novamente a questão acima, o porquê dessa cultura?
Tal prática é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Em Natal, no ano de 2014, houve uma averiguação dos bares e casas de shows após denúncias de preços diferenciados pedindo a suspensão da prática. Em relato, o coordenador do Procon exemplificou que tal prática é ilegal, não havendo motivos para vender o mesmo produto ou serviço com preços diferentes. Após a fiscalização, bares e casas de shows foram notificadas por sua ilegalidade e avisadas que sofreriam sanções.
Mas é preciso faturar, certo? O consumidor lesado não questiona tal diferenciação de preços para determinado gênero. Geralmente utiliza-se o argumento, sob o ponto de vista estereotipado, que tal diferenciação seria atributos para determinado gêneros: “mulheres comem menos, bebem menos”. Tal pressuposto permanece enraizado em uma cultura que privilegia há séculos características que designem a corpos funções determinadas por um ou outro cromossomo, sem tolerância e bases argumentativas que sustentem esse discurso.
É válido ressaltar que tal tradição de diferença de preços seria um atrativo para conquistar mais clientes e por consequência um maior consumo do público masculino. Volto à questão inicial, o porquê dessa cultura? Parece um tanto óbvio que as mulheres ainda são vistas como mercadorias e objeto de consumo em festas. Ressalto que além das propagandas de cervejas, a construção do marketing para atrair público é fundamentada pela objetificação do corpo feminino e, por conseguinte, o homem é visto como ser sujeito, e portanto, portador de um olhar predador, sendo impossível o controle do seu instinto à frente de uma negação. Apesar de algumas mulheres não perceberem tal ato como violação dos direitos, mas sim uma vantagem, o ato de pagar menos nos locais de festas só ressalta o local inferior que a cultura machista impõe aos nossos corpos, ou seja, no mínimo é válida uma reflexão para as mesmas do porquê dessa atitude.
Levantamos novamente aquela pergunta: – Por que os homens, a princípio “lesados” por pagarem outra taxa de valores, até abusivas, não reclamam? A princípio poderíamos remeter ao cavalheirismo, ou à lei moral que instituições religiosas utilizam, ou usar do nosso bom senso e desse espaço crítico para ressaltar que mesmo sendo “lesados”, eles permanecem no posto de privilégio cultural estabelecido. Para que reclamar se posso utilizar um espaço de diversão para assediar uma mulher? Para embebedar lá e trepar a noite inteira, mesmo ela não querendo ou estando dopada o suficiente para não reagir?
“Se você não paga o produto, o produto vira você.” Poderíamos até remeter à Constituição Federal de 1988 que assegura os direitos igualitários para ambos os sexos, mas a atual conjuntura política do nosso país já jogou a mesma no lixo em pedaladas fiscais.

“Cavalheirismo traz, de forma subliminar, a ideia de que a mulher é frágil e necessita do homem para protegê-la, até nas coisas mais simples como abrir uma porta. (…) Algo que parece tão inocente pode ser profundamente prejudicial por reforçar inconscientemente ideias que já deveriam ter sido reformuladas. (…) Que tipo de homem deseja proteger uma mulher? Certamente não seria um que a vê como uma igual, que a encara como um par. Mas aquele que se sente superior a ela. E como disse a atriz americana Mae West em um dos seus filmes: “Todo homem que encontro quer me proteger… Não posso imaginar do quê”.” REVISTA GELEDÉS – Rebatendo 7 argumentos comuns anti-feminismo

Ilustração: Samuel Consentino

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *