#Edição 26 Entre jacubas e mocotós

Crônica da repórter da matéria Francielle de Souza:

 

              Olhar sem ver

Francielle de Souza

 

O turista chega à rodoviária. Achou que daria de cara com os casarões antigos. Logo descobre que precisa conter a ansiedade e andar um cadinho para apreciar as casas coloniais e o ponto turístico mais famoso da cidade, a praça Tiradentes. Uai, essa informação não estava nos sites de turismo, mas tudo bem. Lá vai ele sentir os paralelepípedos das ruas históricas. Lá vai ele subir e descer ladeira. As roupas são sempre as mesmas: chapéu, óculos de sol, blusa básica, colete, bermuda, meia acima do tornozelo e um calçado de sola macia. Vez ou outra, aparece uma pochete.

Já chega sabendo o caminho que vai percorrer: verá aquela igreja dos negros, aquela outra que tem os azulejos portugueses, a que dizem ser uma das mais ricas do Brasil, sem se esquecer daquela que é uma das sete maravilhas do mundo português. E aquela que fica na praça Tiradentes? Ops! Essa não é igreja, é o Museu da Inconfidência. Tá aí outro percurso certeiro na rota: os museus. Aquele que conta a história do dinheiro brasileiro e que tem uma senzala embaixo, o que tem oratórios de todo tipo e, se der tempo, aquele de arte sacra cheinho de objetos e roupas usadas décadas atrás nos ritos católicos.

Muita ladeira, muito museu e muita obra de Aleijadinho. O turista, claro, não perdeu nada. Apreciou toda a cultura que a cidade oferece. Fez todos os roteiros históricos e ecológicos. Ficou impressionado com a majestade que os prédios antigos exalam. Acredita que pode voltar para sua terra de origem na certeza de que conheceu a velha Vila Rica e proclamar a já clássica expressão: “Lá em Ouro Preto, a cada esquina que você vira tem uma igreja”.

Entretanto, o turista olhou para a cidade, mas não a viu de verdade. Percorreu as ruas ,mas não entrou nos becos e vielas. Encostou num desses muros de pedra para descansar, mas não viu as histórias guardadas entre as frestas. Passou pela Casa da Ópera mas não conversou com o Vicente Gomes, guardião do teatro, que já viu de tudo nos palcos e camarins do prédio em formato de lira. Caminhou pela Rua São José, mas não bateu aquele papo demorado com o senhor Roberto Péret, dono de um antigo bar na rua dos bancos. Almoçou no restaurante Bené da Flauta, mas não sabe quem foi o tal flautista com ares de poeta.

Foi à Capela do Padre Faria para ver de perto o sino que saiu da cidade só para tocar na inauguração de Brasília, mas não conversou com o Seu Wilson, zelador da igrejinha. Que pena! Foi embora sem conhecer a lenda de que, na quaresma, o padre Faria percorre o bairro à cavalo procurando a chave da capela, que por sinal é cuidadosamente guardada pelo zelador. Conheceu ainda a Matriz de Santa Efigênia, a igreja supostamente construída por escravos e que causa espanto pela pintura de um papa negro no forro da capela-mor. Saiu extasiado com a novidade, achou o máximo a história, mas não perguntou aos habitantes negros como é ter uma relíquia dessas tão perto de casa.

E, principalmente, não experimentou a boa acolhida dos moradores tomando um café na casa de uma dessas doninhas simpáticas que dedicam a vida à igreja. Foi embora sem entender porque os templos e a religião são tão importantes em uma cidade que foi construída com sangue de escravos, à base de muito sofrimento. Foi embora sem saber que a cultura ouropretana se dá enquanto a água ferve no bule, enquanto o pó se desfaz no coador, enquanto a broa assa no forno. Foi embora na certeza de que Ouro Preto fez dele alguém mais culto. A verdade, penso eu, é que olhar e ver com o coração poderia ter feito dele mais gente.

Vídeo produzido pela equipe multimídia sobre o conto do vigário:

 

 

 

 

 

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