Dívida da Prefeitura de Ouro Preto

LUIZ LOUREIRO

FOTOS: SANDRO AURÉLIO

Poucos dias depois de sua posse na Prefeitura Municipal de Ouro Preto (PMOP), em primeiro dia de 2017, o prefeito Júlio Pimenta (PMDB) anunciou que a administração anterior, chefiada por José Leandro Filho (PSDB), deixou dívidas no valor de R$ 43,3 milhões, sendo que os recursos disponíveis somavam apenas R$ 4 milhões.

A declaração de Júlio Pimenta foi acompanhada da apresentação dos itens mais significativos da dívida. O principal foi a folha de pagamento de dezembro de 2016 dos funcionários municipais, no valor aproximado de R$ 12,1 milhões. Também são elevados os valores devidos à cooperativa de transportes que prestava serviços à PMOP, a funcionários terceirizados, coleta de lixo, aluguéis  e vale alimentação.

Até mesmo as despesas vinculadas (recursos com destinação específica e obrigatória) apresentam déficit de R$ 3,9 milhões, sendo de quase R$ 13 milhões o total de dívidas agrupadas no item “Demais Despesas”, que engloba despesas gerais com fornecedores de produtos, serviços e custeio da máquina administrativa, não incluídas nos demais itens da lista.

Dois itens, em especial, despertam a atenção para o que Huaman Xavier Pinto Coelho, atual Secretário de Fazenda, chamou de “completo descontrole orçamentário”. O de maior valor, cerca de R$ 1,1 milhão, refere-se a “Rescisões Contratuais”. De acordo com Huaman Coelho, trata-se da dívida referente a férias e outras vantagens que não foram pagas ao prefeito, secretários e ocupantes de cargos comissionados na gestão anterior. Também altamente significativo, o item “Caixas Escolares” atinge o montante de R$ 265 mil e refere-se à verba não repassada pela Prefeitura para as escolas municipais, destinada à aquisição de itens da merenda e outras despesas de custeio.

Julio Cesas e Janaina Andrade
Julio Cesas e Janaina Andrade

Valor da dívida pode superar R$ 50 milhões – O valor total da dívida pode ser ainda maior. Segundo Huaman Coelho, estão sendo analisadas reivindicações de outros fornecedores que já superam a cifra de R$ 8 milhões. “Esse montante ainda é preliminar e está sendo objeto de análise pela Procuradoria Jurídica Municipal”, declarou o secretário.

Informações colhidas pelo Lampião dão conta que, desde 2013, um grande número de processos administrativos encontra-se em tramitação e análise, referente a serviços alegadamente prestados sem processo licitatório ou autorização legal. Em alguns casos, são decorrentes de aditivos contratuais executados sem autorização formal e até mesmo superiores aos limites legais, que correspondem no máximo a 25% do valor do contrato original. Os itens que mais aparecem nesses processos administrativos são relativos à contratação de músicos e fornecimento de refeições em eventos.

Os processos administrativos são procedimentos que visam apurar a legitimidade da prestação de serviços, bem como a eventual responsabilidade de agentes públicos na autorização informal e irregular para a realização da despesa. Devido ao entendimento do promotor titular da 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto de que tais processos poderiam, pelo menos em tese, resultar em acusações de improbidade administrativa, o ex-procurador geral da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, Kleyton Pereira, assinou em novembro de 2016 a Portaria nº 56/2016-PJM, proibindo a finalização de todos os processos administrativos já abertos. Desse modo, todas as solicitações de pagamento feitas por fornecedores nessa condição ficaram sem decisão final e serão objeto de auditoria da Procuradoria Jurídica Municipal. Os valores desses processos superam R$ 137 mil em 2013; R$ 3 milhões em 2014; R$ 4,7 milhões em 2015 e R$ 890 mil em 2016.

Lei de Responsabilidade Fiscal e atuação da Câmara Municipal – A Lei Complementar nº 101, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em vigor desde 2000, estabelece normas e limites a serem obedecidos na administração e prestação de contas dos recursos públicos. Entre outras importantes questões, a LRF estabelece que nenhum governante pode criar uma nova despesa continuada (por mais de dois anos) sem indicar sua fonte de receita ou sem reduzir outras despesas já existentes, de modo a fazer com que as contas sejam pagas sem comprometer o orçamento. Também proíbe que o governante efetue despesa que não possa ser paga no mesmo ano, exceto se for deixado dinheiro em caixa para pagamento no ano seguinte.

Corjesu Quirino, procurador jurídico da Câmara Municipal de Mariana, entende que “o principal alvo da LRF é a limitação de gastos com pessoal nas diversas instâncias do poder público”. O procurador destaca ainda que o controle é feito por informação direta ao Tribunal de Contas de Minas Gerais, ensejando punição se o limite prudencial estabelecido for superado e as medidas corretivas não forem tomadas no prazo de oito meses. No caso das demais despesas, segundo Quirino, cabe à Câmara “a fiscalização da evolução dos gastos, mas essa atuação é prévia, mediante análise dos projetos enviados pelo Executivo Municipal e acompanhamento da execução orçamentária”.

Corjesu Quirino alerta, entretanto, “que o grande perigo reside na autorização, pelas câmaras municipais, para que os prefeitos tenham uma margem elevada do orçamento passível de remanejamento por decreto, sem passar pela Câmara”. Nesses casos, o procurador jurídico considera que existe a possibilidade de serem cometidas irregularidades, uma vez que esses remanejamentos são geralmente feitos com base na estimativa de receitas, que algumas vezes não se concretizam. Além disso, Quirino aponta “a morosidade na definição e aplicação das sanções previstas na LRF” como um dos fatores que dificultam a aplicação da lei.

Esse aspecto é endossado por Chiquinho de Assis (PV), líder da oposição durante o governo José Leandro Filho (PSDB), para quem a atuação dos vereadores fica restringida, na medida em que, somente em 2016, o legislativo ouropretano teve oportunidade de analisar o parecer do Tribunal de Contas relativo ao ano de 2013. “O parecer com a recomendação de reprovação da prestação de contas não foi acatado porque o ex-prefeito José Leandro tinha maioria na Casa”, lamentou o vereador.

“Nós já vínhamos percebendo um desequilíbrio das contas públicas, especialmente em dispensas de licitação e contratos superfaturados, e denunciamos muito este tipo de postura do município”, informou Chiquinho, “culminando em várias ações civis públicas encaminhadas ao Ministério Público, caracterizando o que a gente pode chamar de farra do dinheiro público com lixo, com transporte e outras contratações”.

Até mesmo um integrante da base política do ex-prefeito demonstra sérias restrições à gestão anterior. É o caso do vereador Luiz Gonzaga do Morro (PR) que, embora ressaltando a necessidade de maiores esclarecimentos quanto à natureza da dívida anunciada pela atual administração, afirmou que a situação provoca uma grande tristeza. “Nos últimos seis meses de seu governo, José Leandro nem atendia mais os vereadores, não importava se eram ou não de sua base, não havia nenhum diálogo e nem respostas aos requerimentos”.

Gonzaga relatou a instauração de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e encaminhamento ao Ministério Público de documentos que comprovaram diversas irregularidades, como no caso de capina das ruas que foram pagos sem a efetiva prestação dos serviços. O vereador do Partido Republicano (PR) e o grupo político de Dr. Dimas (candidato derrotado por José Leandro em 2012) passaram a integrar a situação no final de 2013 e deixaram essa posição nos últimos seis meses do mandato anterior. Mesmo nessa condição, Gonzaga concorda que se o ex-prefeito deixou dívidas tem que ser punido por isso. “Mas as coisas têm que ser provadas”, afirmou.

Como e quando a dívida será quitada? – Poucos dias após a divulgação do valor total das dívidas, a Prefeitura Municipal de Ouro Preto anunciou a suspensão do pagamento aos fornecedores envolvidos por 180 dias. De acordo com o secretário Huaman Coelho, esse período é necessário para que seja feita a auditoria da dívida e haja possibilidade de priorizar o pagamento de despesas com o funcionalismo público, bem como com os setores de educação e saúde. “É preciso que a população entenda as dificuldades da administração municipal e tenha um pouco de paciência, porque 2017 será um ano difícil”, alertou o secretário, acrescentando que será necessário intensificar ações de arrecadação em janeiro para dar conta das despesas corriqueiras, inclusive a quitação de duas folhas de pagamento em um único mês. “A folha de dezembro foi quitada no dia 13 e a de janeiro deverá ser paga até a primeira semana de fevereiro”, declarou Huaman Coelho.

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Justificando a necessidade de auditoria e de suspensão do pagamento a fornecedores, Huaman informou que já foram identificados indícios de irregularidades em alguns contratos. “Só na Secretaria de Fazenda, identificamos dois veículos fantasmas da Cooperativa de Transportes Minas Brasil”, informou o secretário, acrescentando que o fato “será devidamente notificado e denunciado junto à Procuradoria Jurídica do Município.

A quitação integral da dívida exigiria que praticamente nenhum recurso arrecadado em um bimestre poderia ser utilizado para as despesas correntes do município, como o pagamento dos servidores, da coleta de lixo e de investimento em educação e saúde, por exemplo. Isso porque a previsão de arrecadação mensal média da Prefeitura de Ouro Preto é de aproximadamente R$ 22 milhões para este ano, excluídas as verbas com destinação específica repassadas pelos governos estadual e federal. Dessa forma, a dívida encontrada pela atual administração é equivalente a quase dois meses de arrecadação.

Diretores e diretoras de escolas municipais contraíram dívidas – Aproximadamente R$ 265 mil deixaram de ser repassados, desde agosto de 2016, a dirigentes das escolas municipais de Ouro Preto. Esse valor corresponde a quatro parcelas mensais de um total de R$ 832 mil por ano, destinado à aquisição de produtos perecíveis para complementação da merenda escolar. “O atraso no repasse dessa verba obrigou diretores e diretoras da rede municipal de ensino a contraírem dívidas em seus próprios nomes junto ao comércio local”, declarou o secretário de Fazenda de Ouro Preto.

Júlio César de Oliveira foi diretor da Escola Municipal Tomás Antônio Gonzaga e Janaína Andrade Ferreira Penna ocupava o mesmo cargo na Escola Municipal Renê Giannetti. Ambos tiveram dificuldades para exercer a gestão dos recursos e optaram por diferentes estratégias em decorrência do atraso dos repasses.

Janaína Penna utilizou a confiança nela depositada por fornecedores tradicionais e contraiu dívidas na aquisição de pães, leite, verduras, frutas e carne. “Os itens restantes da merenda, não perecíveis, a gente recebe da Prefeitura, em espécie”, declarou a ex-diretora, acrescentando que o problema era recorrente mas, mesmo com atraso, foram recebidas todas as dez parcelas mensais correspondentes aos anos anteriores. “Em 2016, ocorreu um grande atraso para o início dos repasses e de agosto em diante não recebemos mais as parcelas”, declarou Janaína. “A padaria e o supermercado, eu consegui quitar, mas ainda existem dívidas no açougue e na quitanda, no valor de aproximadamente R$ 1.800,00”, revelou Janaína.

Júlio César Oliveira revela que, a exemplo de outros diretores, optou por fazer um tipo de controle diferente, reduzindo a quantidade de alguns itens do cardápio, como carne e frutas. “Mas, mesmo assim, ainda resta uma dívida de cerca de R$ 600,00 relacionada à compra de hortifruti”, afirmou.

Ambos os ex-diretores declararam que o constrangimento é mais de caráter pessoal, uma vez que os credores entendem a situação e também compreendem que a dívida não é dos diretores, mas das escolas. “Agora que estamos em outra posição, estamos fazendo todo o esforço para não submeter nossos colegas a essa situação”, declarou Júlio César, atualmente exercendo a função de Secretário Adjunto da Secretaria de Educação de Ouro Preto.

O quê se pode fazer com R$ 43 milhões? – R$43 milhões seriam suficientes para o pagamento de todo o funcionalismo público municipal durante três meses e meio ou, em outra comparação, para a construção de 28 Unidades Básicas de Saúde (UBS) como a construída no bairro Morro Santana.

Outras comparações podem ser feitas com os investimentos na rede municipal de ensino. Assim, a dívida representa todo o montante que poderia ser gasto com transporte escolar durante quatro anos e oito meses, considerando-se a previsão de R$9 milhões/ano em 2017. Ou então, o equivalente a 52 anos de complementação, pela prefeitura, da verba federal destinada à alimentação escolar.

Merenda diária dos alunos das escolas de Ouro Preto tem apenas arroz e feijão.
Merenda diária dos alunos das escolas de Ouro Preto tem apenas arroz e feijão.

Outro lado – Em nota encaminhada à reportagem do LAMPIÃO, a Minas Brasil Cooperativa de Transportes confirmou a existência de inadimplência da Prefeitura de Ouro Preto, referente a parte dos serviços prestados em outubro e à totalidade deles nos meses de novembro e dezembro. Na relação de notas fiscais ainda não pagas, porém, a cooperativa incluiu também débitos referentes aos meses de abril, maio e setembro de 2016.

A empresa nega a existência de irregularidades na prestação de serviços e esclarece “que a Minas Brasil Transportes só efetua a emissão de Notas Fiscais/Faturas mediante a Ordem de Serviço/Empenhos devidamente assinados pelos responsáveis de cada Setor/Secretaria da Prefeitura de Ouro Preto”. A empresa reconhece que a inadimplência da Prefeitura de Ouro Preto prejudica sua situação econômico-financeira e impede a realização dos repasses aos seus cooperados, informando também que “está tomando todas as providências legais cabíveis, para recebimento dos valores em aberto”.

Em relação ao ex-prefeito, Adriano Jardim, ex-Secretário de Fazenda da Prefeitura Municipal de Ouro Preto, informou por telefone que José Leandro Filho (PSDB) estaria aguardando o recebimento de documentos e informações e faria uma declaração pública, o que não aconteceu até o fechamento desta edição.

Leia outras reportagens da Edição #25https://goo.gl/2lRa0C

 

One thought on “Dívida da Prefeitura de Ouro Preto

  1. RESUMO DA OPERA – FALENCIA DO MUNICIPIO DE OURO PRETO-MG,MORATORIA JUNTO AOS FORNECEDORES.LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL DILAPIDADA.NO FINAL DAS CONTAS O POVO PAGA PELA FALTA DE QUALIDADE NA PRESTAÇAO DE SERVIÇOS,INADIMPLENCIA NO COMERCIO LOCAL.ETC………SO O TRABALHO PRODUZ RIQUEZAS.

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